A ciência evidencia cada vez mais o potencial do óleo da cannabis para fins medicinais. Seu uso no tratamento de diversas patologias é uma realidade e devidamente empregada em mais de 50 países. Aqui no Brasil, porém, o assunto ainda enfrenta algumas barreiras, com muitos pacientes tendo que recorrer à justiça para conseguir ter acesso à cannabis medicinal.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deferiu três liminares para que pessoas com comprovada necessidade médica pudessem cultivar plantas de Cannabis Sativa e dela extraíssem o óleo medicinal, sem haver riscos de ilicitude. Os pacientes que recorreram ao Judiciário manifestaram e comprovaram necessidade da cannabis medicinal para diferentes finalidades terapêuticas, como dor crônica, transtorno depressivo recorrente e déficit de atenção, entre outros males.
Importante destacar que o STJ também tem atuado em prol dos pacientes em decisões que determinam o fornecimento de medicamento à base de canabidiol, de forma gratuita, pelo Sistema Único de Saúde, para pacientes necessitados por parte da União e dos Estados, como aconteceu em Pernambuco.
Nesses casos de judicialização da saúde, os pacientes apresentam laudos médicos que comprovam seus quadros clínicos, buscando liberação para o auto cultivo da planta. Para quem busca a liberação para importação excepcional, o pedido necessita da receita médica bem como de uma autorização específica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para pessoa física.
Na decisão, pautada pela jurisprudência, o magistrado do STJ lembrou que os precedentes da corte consideram não ser crime a conduta de cultivar a planta para fins medicinais, diante da falta de regulamentação prevista no artigo 2º, parágrafo único, da Lei 11.343/2006, a Lei de Drogas, de modo que vários acórdãos concederam salvo-conduto para que pessoas que necessitam desse tipo de medicamento pudessem cultivar e extrair o óleo da cannabis. A base das decisões têm sido o resguardo ao direito à saúde.
O recurso à justiça é, para esses pacientes, o único caminho, uma vez que se não for pelo cultivo da planta, o tratamento se torna inviável pelos altos custos da importação.
E esse não é o caminho somente por parte de quem precisa do medicamento. Também tem sido a via daqueles que têm conhecimento e condições de produzir: as farmácias de manipulação. Isso porque, no Brasil, as farmácias magistrais estão impedidas de realizar a manipulação com prescrição médica, e até mesmo a revenda de produtos industrializados já registrados na Anvisa, o que torna o acesso à cannabis medicinal ainda mais limitado. Trata-se de mais um sinal claro de quanto é fundamental que os agentes de mercado se mobilizem para fomentar o debate e a melhoria do ambiente regulatório.
Uma das urgências diz respeito à revisão da resolução Colegiada (RDC) 327/2019 pela Anvisa. A norma foi concebida para ter validade por três anos, ou seja, até dezembro de 2022. Ainda não há texto de consulta pública disponível para participação social, de modo que se possa ampliar o acesso de pacientes a medicamentos derivados de cannabis medicinal.
Junto a essa urgência, há que também se discutir a importância de as farmácias de manipulação ingressarem neste mercado, porque poderão desempenhar um papel importante na disponibilidade dos tratamentos. Atualmente, somente aquelas que ingressam na Justiça e conseguem liminar atuam nesse nicho da saúde.
Farmácias de manipulação possuem capacidade técnica para produzir os mais variados tipos de produtos: cápsulas, óleos, sachês, cremes, supositórios, filmes sublinguais, etc. Podem fazer ajustes de dosagem de forma rápida, atendendo à prescrição médica ou de outro profissional habilitado. Isso ajuda o médico a achar a dose certa e via de administração adequada a cada paciente, a cada caso clinico. Além disso, farmácias já atuam com produtos sob controle especial (medicamentos “tarjados” da Port. 344/98), sendo autorizadas pela própria ANVISA (Autorização Especial) e fiscalizadas pelas autoridades sanitárias de todo o país.
A Anvisa já incluiu o canabidiol e o tetrahidrocanabidiol na lista de substâncias autorizadas para medicamentos no Brasil (P 344/98). A cannabis sativa por sua vez é proscrita, proibida.
O Brasil precisa seguir exemplos de dezenas de países que já entenderam o potencial terapêutico da cannabis medicinal. A ciência segue nos dando evidências e comprovações. É hora de ampliar o debate e os aspectos regulatórios envolvidos, evitando a judicialização de saúde, em benefício da sociedade. A saúde não pode esperar.
Claudia de Lucca Mano, advogada especializada na área de Vigilância Sanitária e Assuntos Regulatórios e fundadora da Farmacann – Associação para Promoção da Cannabis Medicinal Manipulada/Magistral.